quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Berlim é bombardeada! (diário de Shirer)




Do
Diário de Berlim
de William Shirer
trad. Alfredo C Machado
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BERLIM, 26 de agosto [1940]

No decorrer da noite passada tivemos o primeiro ataque aéreo de grande envergadura, desde o início da guerra. As sirenas começaram a soar aos 20 minutos de hoje e somente deram o sinal de “tudo limpo” às 3:23 da madrugada. Pela primeira vez os aparelhos da RAF voaram diretamente sobre a cidade e deixaram cair algumas bombas. A concentração do fogo antiaéreo foi a maior que já vi em Berlim, proporcionando um espetáculo surpreendente, embora terrível. E, por mais estranho qeu pareça, todo esse canhoneio foi ineficaz. Nenhum aparelho inglês foi abatido, nenhum foi sequer apanhado pelos feixes de luz dos refletores que riscavam os céus em todas as direções e durante todo o tempo que durou o ataque.

Os berlinenses estão assombrados. Não acreditavam que isso pudesse acontecer. Logo depois do início da guerra, Göring afirmou-lhes que tal fato não seria possível. O marechal blasonou que nenhum aparelho inimigo poderia atravessar as defesas antiaéreas externas e internas da capital. Os berlinenses são criaturas ingênuas e simples. Por isso, acreditaram no que Göring lhes disse. Assim, a desilusão que experimentaram hoje é a maior possível. É preciso ver as caras que fazem para ter uma ideia do fato. Além disso, Göring ainda piorou mais as coisas informando à população, há três dias, que não havia necessidade de se recolherem aos abrigos quando as sirenas começassem a tocar, mas apenas ao ouvir o troar dos flaks mais próximos. A conclusão lógica a tirar daí era a de que não haveria grande perigo durante os bombardeios. Esse aviso fez com que o povo acreditasse que os bombardeios ingleses,e mbora chegassem até os subúrbios, nunca atingiram a cidade propriamente dita. Foi então que, ontem à noite, todas as baterias espalhadas pela cidade começaram a fazer fogo incessantemente, ao mesmo tempo que se podia ouvir o ronco dos aparelhos ingleses bem em cima das ruas. Todas as informações colhidas adiantam que se registrou uma verdadeira barafunda, uma corrida alucinante dos 5 milhões de berlinenses que se precipitavam para os abrigos antiaéreos.

Eu estava na Rundfunk, redigindo a minha crônica, quando as sirenas começaram a soar e quase imediatamente os flaks deram início ao canhoneio. Por um curioso acaso, minutos antes eu estivera discutindo com o censor do Ministério da propaganda sobre as possibilidades existentes de um bombardeio de Berlim. Londres acabava de ser também bombardeada. Era natural, dizia eu, que os ingleses tentassem a represália. Ele riu. Era impossível, afirmou. Havia um número muito grande de baterias antiaéreas em torno de Berlim.

Foi bastante difícil para mim prestar atenção à crônica que escrevia. O canhoneio era particularmente violento nas proximidades da Rundfunk e a janela da sala onde me achava tremia cada vez que uma bateria abria fogo ou que explodia uma bomba. Para aumentar ainda mais a confusão, os guardas encarregados de dar o alarme, metidos nos seus uniformes especiais para combater as chamas, corriam por todo o edifício ordenando aos que ali se achavam que procurassem refúgio nos abrigos. Na Rundfunk, a maioria desses guardas é constituída por porteiros e mensageiros, e desde logo se tornou evidente que procuravam aproveitar-se da autoridade temporária que lhes dava a ocasião. Entretanto, a maior parte dos alemães que trabalhavam naquele momento parecia pouco disposta a apressar-se muito para chegar ao abrigo.
[...]

Hoje o bombardeio constitui o principal assunto das conversas dos berlinenses. Torna-se portanto especialmente divertido observar que Goebbels permitiu que os jornais publicassem somente um comunicado de seis linhas sobre o caso, dizendo que os aparelhos inimigos tinham voado sobre a cidade atirando algumas bombas incendiárias sobre os subúrbios e danificando uma cabana de madeira existente num jardim. Nem uma linha sequer sobre as bombas explosivas que todos nós ouvimos cair. Nem uma palavra sobre as três ruas de Berlim que foram isoladas durante todo o dia de hoje, a fim de impedir que os curiosos pudessem ver os estragos que uma bomba pode fazer. Será bastante interessante observar a reação dos berlinenses ante esses esforços das autoridades em esconder a extensão do ataque. Foi esta a primeira vez que tiveram a oportunidade de estabelecer a comparação entre o que realmente se deu e o que o Dr. Goebbels noticiou. Durante o ataque da noite passada, os pilotos da RAF atiraram também alguns folhetos sobre Berlim, dizendo aos habitantes que “a guerra que Hitler iniciou continuará e durará enquanto Hitler existir”. É uma boa propaganda, mas infelizmente poucas pessoas conseguiram apanhar esse folhetos, que foram atirados em pequena quantidade.
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BERLIM, 29 de agosto

Os aviões ingleses voltaram em grande número durante a noite passada, e pela primeira vez mataram alemães em plena capital do Reich. A relação oficial diz que foram mortas 10 pessoas e feridos outras 29. No Kottbuserstrasse, perto de Tempelhof (que os ingleses provavelmente queriam alvejar) e não muito longe da estação de 50 quilos explodiram sobre a rua, arrancaram a perna de uma guarda contra os ataques aéreos que estava parada à porta de sua residência e mataram quatro homens e duas mulheres que, imprudentemente, apreciavam o bombardeio da entrada de uma casa próxima.

Acho que a população de Berlim está muito mais afetada pelo fato de os aparelhos ingleses terem conseguido penetrar até o centro da cidade sem serem incomodados do que mesmo pelas primeiras vítimas que causaram. Pela primeira vez a guerra veio bater-lhes à porta. Se os ingleses continuaram a proceder dessa forma, o fato terá um efeito tremendo sobre a moral do povo.

Hoje Goebbels modificou inesperadamente a sua tática. Depois do primeiro grande bombardeio de Berlim, a ordem que deu aos jornais foi a de não comentar o caso. Agora ordenou aos mesmos jornais que façam barulho e gritem contra a “brutalidade” dos pilotos ingleses ao atacarem as indefesas mulheres e crianças de Berlim. Todavia, é preciso lembrar que os berlinenses ainda não foram informados dos sanguinários bombardeios de Londres efetuados pela Luftwaffe. A manchete invariável dos jornais de hoje sobre o ataque aéreo da noite passada é uma só: INGLESES ATACAM COVARDEMENTE. E o pequenino Doktor faz ainda com que os jornais martelem nos ouvidos do povo que os aparelhos alemães atacam somente os objetivos militares na Inglaterra, enquanto os “piratas ingleses” procuram atacar, “segundo as ordens pessoais de Churchill”, somente os objetivos não-militares. Não há dúvida de que o povo alemão se deixará embair também por essa mentira. Um dos jornais de hoje chega a um grau extremo de histeria: afirma que a RAF recebeu ordens para “massacrar a população de Berlim”.

Pelo que tenho podido observar no decorrer das última noites – e Göring devia sabê-lo – torna-se perfeitamente claro que não existe defesa contra os bombardeios noturnos. Nem durante a noite de domingo, nem durante a de ontem as defesas antiaéreas de Berlim, provavelmente as melhores do mundo, conseguiram colher um único aparelho inglês na luz de um holofote, muito menos derrubá-lo. O comunicado oficial, sem poder afirmar à população que os canhões antiaéreos conseguiram abater alguns dos aviões quando milhares de berlinenses puderam observar que tal não se deu, anunciou apenas que um dos bombardeiros da RAF foi posto abaixo ao se dirigir para Berlim, além de outro abatido quando regressava de Berlim.
[...]

do
Diário de Berlim
William Shirer
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2 comentários:

  1. Triste a história, mas brilhante a crônica desse autor alemão, que muito me ajuda na elaboração de um livro sobre um nazista que é um pianista.

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