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Diário de Berlim
W Shirer
trad. Alfredo C Machado
BERLIM, 19 de julho [1940]
Não vai haver uma Blitzkrieg contra a Inglaterra. Pelo menos por enquanto. Hoje à noite, falando perante o Reichstag, Hitler 'ofereceu' a paz. Disse não ver motivo algum pelo qual a guerra devesse continuar. Mas é claro que se trata de uma paz em que ficará com as rédeas do continente nas mãos, como vencedor. Saindo do espetáculo fantástico do Reichstag – que foi o mais brilhante de todos a que assisti – fiquei pensando no que fariam os ingleses. No que diz respeito aos alemães, não existe a menor dúvida. Como manobra calculada com fim de congregá-los para o ataque contra a Grã-Bretanha, foi uma obra-prima. Isso porque, agora, o povo alemão dirá: “Hitler oferece a paz à Inglaterra e não lhe dão nenhuma importância. Ele afirma que não vê motivo pelo qual a presente guerra deva continuar. Portanto, se continuar, a culpa é da Inglaterra”.
Estava pensando em qual seria a resposta dos ingleses, minutos depois de ter chegado à Rundfunk para redigir a minha crônica, quando ouvi a irradiação da BBC, em alemão. E já estava ali a resposta! Era um grande NÃO! Quanto mais pensava no caso, menos motivos encontrava para me surpreender. Para a Inglaterra, uma paz assinada com uma Alemanha colocada na situação de senhora absoluta do continente é impossível. Mais ainda: os ingleses devem possuir os seus motivos para acreditar que podem defender vitoriosamente as suas ilhas, acabando por impor uma derrota a Hitler. Isto porque o próprio Hitler lhes deu um meio fácil de salvar pelo menos alguma coisa. Apenas há um ano e meio em Munich, pude vê-los apegando-se a essa tábua de salvação. Agora o Não da BBC foi perfeitamente enérgico. O locutor ridicularizou todas as atitudes de Hitler. Vários oficiais do Alto comando e funcionários do Ministério que se achavam na sala não podiam acreditar no que ouviam. Um deles não se conteve e gritou-me: -Está entendendo alguma coisa? Por acaso, pode compreender esses ingleses malucos? Rejeitar agora uma proposta de paz? - Limitei-me a resmungar qualquer coisa. -eles estão loucos? - gritou o oficial.
Hitler apresentou a sua 'oferta' de paz de maneira muito eloquente, pelo menos para os alemães. Disse ele: - Neste momento, sinto que é meu dever perante a minha própria consciência apelar uma vez mais para a razão e o bom senso. Não posso descobrir um motivo pelo qual esta guerra deva prosseguir.
Não houve nenhum aplauso, nenhuma ovação, nenhum bater das pesadas botas. Apenas um grande silêncio. E um ambiente carregado. Porque, no íntimo, os alemães hoje anseiam pela paz. No meio desse silêncio, Hitler continuou: -Sinto-me entristecido ao pensar nos sacrifícios que a guerra vai exigir. E gostaria de evitá-los para o bem do meu povo.
O Hitler que vimos esta noite no Reichstag era um Hitler vencedor, cônscio da sua posição, que mesmo assim soube ser um ator tão maravilhoso, tão magnificamente senhor da alma alemã, que conseguiu misturar soberbamente a confiança do vencedor com a humildade que sempre causa bom efeito junto às massas, quando estas sabem que existe um homem ao leme. [...]
Mais uma vez notei também de que forma Hitler é capaz de mentir com uma impassibilidade que nenhum outro homem possui. Provavelmente algumas dessas mentiras não são propriamente mentiras para ele, que acredita fanaticamente nas próprias palavras, como por exemplo, a sua falsa recapitulação dos últimos vinte e dois anos e a sua constante reafirmação de que a Alemanha nunca foi realmente derrotada na Grande Guerra, e sim apenas traída. [...]
Nota minha:
Interessante. No discurso de Hitler há três menções nominais ao primeiro-ministro britânico Churchill, e nenhuma menção, citação ou referência aos Estados Unidos da América. Justamente o país no qual o governo da Grã-Bretanha depositava toda a confiança – a GBR não poderia continuar a guerra sem apoio dos EUA – isto era óbvio.
Resumo: basicamente o ditador alemão faz um 'apelo a razão' ao Governo britânico, pois não pretende intensificar a guerra ao atacar a Grã-Bretanha e seu Império mundial. A obstinação da GBR se deve às esperanças de envolvimento de intervenções dos EUA e/ou da URSS – o que tornaria a 'guerra europeia' GBR X III Reich numa 'guerra mundial' Eixo X Aliados. (O que aconteceria em 1941/42)
No mais, Hitler aproveitou para demonstrar poderio militar, ao elevar Göring à Reichsmarschall e outros 12 generais a GeneralFeldmarschall (von Brauchitsch, Kesselring, Keitel, von Kluge, von Leeb, von Bock, List, von Witzleben, von Reichenau, Milch, Speerle, von Rundstedt), como diz, sarcasticamente, W Shirer, em seu diário, “a certa altura, parando em meio ao discurso que estava pronunciando, Hitler transformou-se num outro Napoleão, criando com um simples movimento de sua mão (neste caso, a saudação nazista) doze marechais-de-campo. Como Göring já era um deles, o Führer criou-lhe um posto especial – o de Marechal do Reich.” (19 de julho)
BERLIM, 20 de julho
Até agora não se registrou nenhuma reação oficial inglesa à “oferta de paz” de Hitler. No entanto, Goebbels obrigou a imprensa local a fornecer amavalmente ao povo alemão a notícia de que, aparentemente, os ingleses ainda nãotiveram tempo para isso. Os alemães com quem falei não podem compreender essa atitude. Eles desejam a paz. Não querem passar um novo inverno da mesma forma que o último. Não têm nada contra a Grã-Bretanha, a despeito de toda a campanha provocadora. (É que, da mesma forma que um remédio aplicado com muita frequencia, ela também está perdendo a pouca força que possuía.) Acreditam que alcançaram o ponto máximo e acreditam também que podem derrotar a Inglaterra se chegarem a um encontro. Mas prefeririam a paz.
Em Chicago, Roosevelt foi novamente escolhido para candidato democrático, para tentar um terceiro período presidencial. O fato representa um golpe para Hitler, que a Wilhelmstrasse mal pôde ocultar. Goebbels deu ordem aos jornais para que não comentassem o fato, permitindo entretanto que a DNB publicasse um breve despacho do seu correspondente em Washington, dizendo que os métodos pelos quais foi feita a escolha de Roosevelt foram severamente condenados por todas as testemunhas”.
Agora Hitler terá que esperar que Roosevelt seja derrotado por Willkie nas próximas eleições. A verdade é que Hitler receia Roosevelt. Está começando a compreender que o apoio do Presidente à Grã-Bretanha constitui um dos motivos principais que levaram os ingleses a declinar a espécie de paz que ofereceu. Tal como o redator-chefe do Frankfurter Zeitung, Rudolf Kircher, teve licença para publicar amanhã: “Roosevelt é o pai das ilusões inglesas na guerra atual. Talvez os vergonhosos expedientes de Roosevelt sejam demais para os americanos, talvez ele não seja eleito, talvez, depois de reeleito, seja levado a cingir-se estritamente ao programa de não-intervenção do seu partido. Mas é também perfeitamente claro que, ao mesmo tempo em que não intervém na luta com a sua Esquadra ou o seu Exército, intervirá com os seus discursos, as suas intrigas e a poderosa propaganda que porá à disposição dos ingleses.”
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Diário de Berlim
W Shirer
trad. Alfredo C Machado
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W Shirer
trad. Alfredo C Machado
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por Leonardo de Magalhaens
por Leonardo de Magalhaens
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