Do
Diário de Berlim
William Shirer
Diário de Berlim
William Shirer
BERLIM, 7 de setembro [1940]
No decorrer da noite passada tivemos o maior e o mais eficaz de todos os bombardeios aéreos da guerra. Nestes últimos dias os alemães trouxeram numerosas baterias de flaks para Berlim, e assim ontem à noite abriram um fogo de barragem formidável contra os ingleses, embora não conseguissem abater um só aparelho da RAF.
Desta vez os ingleses estavam com pontaria muito melhor. Quando regressei da Rundfunk pouco depois das 3 da madrugada, o céu, sobre a zona norte-central da cidade, estava avermelhado pelo clarão de dois grandes incêndios. O maior deles foi o que se registrou nos armazéns de cargas da estação ferroviária de Lehrter. Outra gare ferroviária, a de Schussendorfstrasse, também foi atingida. E, segundo me infirmaram, uma fábrica de borracha sintética foi destruída pelas chamas.
Apesar disso, o Alto Comando diz o seguinte no seu comunicado de hoje: “No decorrer da noite passada os aviões inimigos voltaram a atacar a capital alemã, ocasionando alguns danos a pessoas e propriedades, em conseqüência do bombardeio indiscriminado de objetivos não-militares, situados em pleno coração da cidade. Como represália, a Luftwaffe começou a atacar Londres em grandes formações”.
Nem o menor indício, em Berlim – e o povo alemão nada sabe sobre o assunto – de que no decorrer destas duas últimas semanas os pilotos alemães vem atirando as suas bombas sobre o centro de Londres. Ainda hoje, os meus censores avisaram-se que não tocasse nesse assunto. Aparentemente devem existir alguns alemães que ouvem as minhas irradiações, captando-as da própria emissora alemã que as retransmite em ondas curtas para Nova York, pois, uma vez que se trata se uma estação nazista, não há nenhuma punição para que a sintoniza.
O comunicado do Alto Comando, inegavelmente imposto pelo próprio Hitler – que várias vezes toma parte na redação dos comunicados oficiais do Exército – sustenta deliberadamente a mentira de que a Alemanha somente se resolveu a bombardear Londres em conseqüência dos ataques que os ingleses desfecharam primeiro contra Berlim. E o povo alemão acreditará em mais essa mentira, da mesma forma que acredita em quase tudo o que lhe dizem atualmente. É inegável que nos tempos modernos – desde que a imprensa, e mais tarde o rádio, tornaram teoricamente possível para a grande massa da humanidade conhecer o que se passava no mundo – nunca um povo foi tão mal informado, tão inescrupulosamente enganado, como os alemães o são sob o atual regime.
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O povo alemão não tem a menor noção – porque a imprensa e a rádio nazistas têm suprimido cuidadosamente todas as notícias sobre isso – de que somente em agosto mais de mil civis ingleses foram mortos pelos ataques da Luftwaffe sobre os seus “objetivos militares”.
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BERLIM, 18 de setembro
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Hoje à noite, Ribbentrop partiu inesperadamente para Roma. São muitas as explicações dadas ao caso. A minha é esta: foi levar a Mussolini a notícia de que não se fará nenhuma tentativa de invasão da Inglaterra durante este outono. Esta revelação é de molde a colocar o Duce em maus lençóis, uma vez que as suas tropas já lançaram uma ofensiva no Egito e avançaram cerca de 160 quilômetros no deserto, convergindo sobre Sidi-el-Barrani. Mas, segundo parece, esse esforço italiano foi primitivamente planejado com o fito único de distrair a atenção inglesa da invasão alemã contra as suas ilhas. Agora começa a parecer (embora eu ainda acredite que Hitler possa vir a tentar a invasão) que a guerra neste inverno vai ser transportada para o Mediterrâneo, onde as potências do Eixo tentarão desfechar um golpe mortal no Império Britânico, com a conquista do Egito, do Canal de Suez e da Palestina. Napoleão conseguiu realizar essa campanha no passado, e o golpe não destruiu o Império Britânico (Napoleão tentou também a invasão, concentrando as suas barcaças e navios exatamente no mesmo local em que Hitler reuniu os seus, apesar de nunca ter ousado desfechar o golpe). No entanto, agora a conquista do Canal de Suez pode destruir o Império. O motivo da presença em Berlim do braço-direito do Generalíssimo Franco, Serrano Suñer, é que Hitler deseja que o caudilho ataque Gibraltar com as suas próprias forças ou consinta na passagem das tropas alemãs através de território espanhol, vindas da França, para realizar essa tarefa. Ouço muitos comentários sobre a divisão da África entre a Alemanha e a Itália, dando à Espanha uma grande área de território desde que Franco concorde com o que lhe exigem.
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BERLIM, 22 de setembro
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Ribbentrop está de volta de sua viagem a Roma e a imprensa dá a entender que agora está definitivamente resolvida a ‘fase final’ da guerra. Rudolf Kircher, redator-chefe do Frankfurter Zeitung, escrevendo de Roma, diz que a situação militar é de tal forma favorável ao Eixo que, na realidade, Ribbentrop e o Duce passaram a maior parte do tempo estabelecendo os planos para a ‘nova ordem’ na Europa e na África. Essa declaração pode ser de molde a fazer com que o povo alemão se sinta um pouco melhor, mas a maior parte dos alemães com quem converso já está começando, pela primeira vez, a perguntar por que motivo ainda não foi realizada a invasão da Inglaterra. Mostram-se ainda confiantes de que a guerra acabe antes do Natal. No entanto, apenas há quinze dias esperavam o fim da guerra para antes do inverno, que já terá chegado dentro de um mês. Ganhei todas as apostas que fiz com os funcionários e jornalistas nazistas sobre a data em que a suástica devia drapejar aos ventos de Trafalgar Square: agora devo receber deles – ou devia – quantidade suficiente de champanha para passar todo o inverno. Ainda hoje, quando sugeri a alguns deles outra pequena aposta, proporcionando-lhes a oportunidade de reaver o que perderam, não acharam nenhuma graça no caso. Nem quiseram apostar coisa alguma.
Os correspondentes alemães em Roma anunciaram hoje que a Itália está descontente com a Grécia e que os ingleses estão violando a neutralidade das águas gregas, tal como já o fizeram anteriormente na Noruega. Isso está-me cheirando mal. Desconfio de que a Grécia será a próxima vítima.
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Do
Diário de Berlim
William Shirer
Trad. Alfredo C Machado
Ed. Record
LdeM
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