dezembro/ 1939
segunda-feira, 18
"Os homens, dizemos – afirmava Maheu em sua última carta -, não merecem a paz. É verdade. Verdade no sentido simples de que eles fazem a guerra. Nenhum dos homens atualmente mobilizados (sem exceção de mim, naturalmente) merece a paz, porque se a merecesse realmente não estaria aqui. - Mas pode ter sido obrigado, forçado... Tá tá tá: ele era livre. Compreendo que ele partiu acreditando que não tinha outro remédio. Mas essa crença era decisória. E por que ele decidiu assim? Aí reencontramos os móveis e a cumplicidade. Por inércia, fraqueza, respeito pelo poder, medo de uma condenação – porque calculou as possibilidades e concluiu que arriscava menos obedecendo do que resistindo – por gosto pela catástrofe – porque sua vida não o prendia bastante (nesse sentido, melhorar sua vida, tanto quanto o permite a natureza do objeto, significa trabalhar pela paz. Conheci alguns que, por terem tido insucesso no casamento, declaravam, em outubro de 1938, que encaravam a guerra com indiferença, sem parecer compreender que sua situação de homens históricos dava peso e consequência a essa indiferença e que ela facilitava o início da guerra – não por fazê-la eclodir, mas por serem cúmplices ) - porque precisava de um grande cataclismo para cumprir sua profissão de homem – por importância, idiotice, ingenuidade, conformismo – por pavor de pensar livremente – porque era um galo de briga. Por isso, na guerra não há vítimas inocentes. Se as houvesse, aliás, elas recomeçariam a guerra por sua própria conta usando mil modos para se tornarem cúmplices no detalhe da sua vida militar. De modo que o mito da redenção adquire aqui toda a sua força moral: a natureza da historicidade é tal, que só cessamos de ser cúmplices tornando-se mártires. Só não merecem a guerra os homens que aceitam o martírio pela paz. Só eles são inocentes, pois a força de sua recusa é bastante grande para suportarem o infortúnio e a morte. Assim, é verdade que, aceitando as consequências da sua recusa, eles sofrem inocentes pelos outros. Não existe, pois, outro modo de assumir nossa historicidade senão tornando-se mártires e redentores. (...)"
Jean-Paul Sartre
trad. Aulyde Soares Rodrigues / 1983
Nenhum comentário:
Postar um comentário